A Sociedade Anônima do Futebol (S.A.F.) foi instituída pela recente Lei n° 14.193/2021 e seus objetivos principais são reorganizar e reestruturar os clubes de futebol, tradicionalmente associações civis, e captar investimentos de entidades privadas, priorizando um novo modelo de gestão.
Segundo o noticiário esportivo, a S.A.F. tornou-se tábua de salvação de clubes tradicionais do futebol brasileiro, mas cujas dívidas e as práticas de gestão adotadas diminuíram sensivelmente a sua capacidade competitiva.
Todavia, por ser uma novidade legislativa, existem divergências e dúvidas quanto ao posicionamento do Judiciário sobre várias questões que envolvem a constituição de uma S.A.F. e a sua relação com os clubes que a formaram, principalmente no que tange às obrigações e dívidas de responsabilidade do clube, assumidas anteriormente à sua transformação em SAF.
A esse respeito, o artigo 10 da Lei da SAF determina que o clube ou a pessoa jurídica original, isto é, a entidade que precedeu à (ou transformou-se em) SAF, é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol, por meio de receitas próprias ou de receitas transferidas pela SAF, quando constituída exclusivamente da proporção descrita nos incisos do dispositivo, in verbis:
Art. 10. O clube ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol, por meio de receitas próprias e das seguintes receitas que lhe serão transferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, quando constituída exclusivamente:
I - por destinação de 20% (vinte por cento) das receitas correntes mensais auferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme plano aprovado pelos credores, nos termos do inciso I do caput do art. 13 desta Lei;
II - por destinação de 50% (cinquenta por cento) dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida desta, na condição de acionista.
Ocorre que, recentemente, a 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte condenou tanto o clube de futebol “Cruzeiro Esporte Clube” quanto a SAF constituída “Cruzeiro Esporte Clube - Sociedade Anônima do Futebol”, solidariamente, ao pagamento de uma dívida de R$ 45 mil ao ex-treinador de goleiros do time feminino do clube.
Isso significa que os dois responderão de imediato e na mesma proporção pela dívida reconhecida em juízo.
O Cruzeiro SAF alegou ser parte ilegítima na ação, tendo como base o artigo 10 da Lei 14.193/21. Apesar disso, a magistrada ressaltou que os termos não se aplicam quando a dívida é relacionada "às atividades específicas de seu objeto social", nesse caso, o futebol.
Trata-se da primeira decisão a ganhar notoriedade envolvendo uma SAF em um processo trabalhista, o que não significa que o entendimento adotado será amparado pela jurisprudência, mas certamente serve de alerta aos clubes e aos investidores interessados na constituição da Sociedade Anônima de Futebol. As negociações entre as partes devem levar em consideração a possibilidade de as dívidas e obrigações pretéritas alcançarem a SAF, o que trará impacto nos valores e na formatação da nova sociedade.
Escrito por
João Rafael dos Santos Machado, advogado, OAB/SP 331.042 e
Bruno de Souza Martins Vieira, estagiário de direito.
Publicado por Felipe Cury