O art. 5º, LVII da Constituição Brasileira consagra o princípio da presunção de inocência (ou da não culpabilidade, como é chamado por alguns autores), o qual estabelece que ninguém será considerado culpado até o “trânsito em julgado” da sentença penal condenatória. Isto é, tem-se como regra a impossibilidade da restrição de direitos (seja de locomoção, patrimonial, de privacidade etc) antes de decisão definitiva (inexistindo a hipótese de novos recursos) no sentido de condenar o réu.
Entretanto, em situações, teoricamente, excepcionalíssimas, quando a tais direitos individuais poriam em risco bens de dignidade semelhante (como o adequado desenvolvimento das investigações ou do processo, a segurança das pessoas envolvidas ou da população em geral, entre outras razões), poder-se-ia os limitar.
Todavia, na realidade, o que se observa é o uso costumeiro desses mecanismos, na maioria das vezes ignorando sumariamente os requisitos exigidos para sua efetivação. Tamanha é a desordem que até mesmo figuras alheias ao mundo jurídico, como o Santo Padre, tem se manifestado:
“O uso indevido de prisão cautelar. Eu havia relatado com preocupação o uso arbitrário de detenção preventiva. Infelizmente, a situação piorou em várias nações e regiões, onde o número de prisioneiros sem condenação já ultrapassa cinquenta por cento da população carcerária. Esse fenômeno contribui para a deterioração das condições de detenção e é a causa de um uso ilícito das forças policiais e militares para esses fins. A prisão preliminar, quando imposta sem a ocorrência de circunstâncias excepcionais ou por um período excessivo, afeta o princípio de que todo acusado deve ser tratado como inocente até que uma condenação final estabeleça sua culpa.”[1]
Dessa forma, passaremos a tratar das espécies de prisões cautelares existentes em nossa legislação e, posteriormente, trataremos de medidas alternativas a estas.
Estabelece o Código de Processo Penal Brasileiro:
Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I – está cometendo a infração penal; – (chamado flagrante próprio)
II – acaba de cometê-la; – (chamado flagrante próprio)
III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; – (chamado flagrante impróprio)
IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. – (chamado flagrante presumido)
Art. 303. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.
Assim, deve se compreender a prisão em flagrante como ato inicial, praticável não apenas pelas autoridades, mas por qualquer um do povo, que transcende a mera “voz de prisão”, sendo efetiva forma de cerceamento momentâneo da liberdade de quem é encontrado em circunstâncias as quais evidenciem o cometimento de ilícito criminal. O seu objetivo, dentre outros, é evitar a consumação ou o exaurimento do crime, a fuga do possível culpado, garantir a colheita de elementos informativos e assegurar a integridade física do autor do crime e da vítima.
Ainda nesse contexto é necessário compreender que a imobilização do preso, seja procedida por policial ou por concidadão, deve ser feita tendo-se em vista à razoabilidade e proporcionalidade, abdicando de meios abusivos. Não à toa o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 11, firmando que:
“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
Após a voz de prisão, define o Código de Processo Penal que:
Art. 304 – Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto.
Assim, o preso é encaminhado, imediatamente, à autoridade competente – em regra, a autoridade policial da circunscrição onde foi efetuada a prisão. Não existindo autoridade competente na localidade, o preso será logo apresentado à do lugar mais próximo (CPP, art. 308). Quando o fato for praticado na presença da autoridade policial, ela própria dará voz de prisão.
Ao ser apresentado, a autoridade ouvirá o condutor (quem prendeu) e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando, a este, cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando a autoridade, ao final, o Auto de Prisão em Flagrante (APF), salvo nas hipóteses em que for possível a lavratura de TC, Termo Circunstanciado (a depender do tipo penal).
O Auto de prisão em flagrante (APF) deve ter informações sobre eventuais filhos do preso, se são dependentes etc.
Caso a prisão em flagrante seja inegavelmente ilegal, a autoridade policial deixará de lavrar o APF, devendo o preso ser imediatamente solto (flagrante inexistente).
Após todo o procedimento anterior, existindo suspeita contra o conduzido, a autoridade policial determinará o seu recolhimento, enquanto realiza, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, os demais atos que a lei determina ao se lavrar o APF.
A prisão em flagrante de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.
Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, se o ato não tiver sido acompanhado por advogado ou caso o autuado não indique o seu defensor, cópia integral do APF será encaminhada à Defensoria Pública.
Por fim, importa entender que a prisão em flagrante em si não mantém ninguém preso, sendo necessária a decretação de prisão temporária ou preventiva para sua continuidade.
[1] L’uso improprio della custodia cautelare. Avevo segnalato con preoccupazione l’uso arbitrario della carcerazione preventiva. Purtroppo la situazione si è aggravata in diverse nazioni e regioni, dove il numero di detenuti senza condanna già supera ampiamente il cinquanta per cento della popolazione carceraria. Questo fenomeno contribuisce al deteriorarsi delle condizioni di detenzione ed è causa di un uso illecito delle forze di polizia e militari per questi fini. La reclusione preventiva, quando è imposta senza che si verifichino le circostanze eccezionali o per un periodo eccesivo, lede il principio per cui ogni imputato dev’essere trattato come innocente fino a che una condanna definitiva stabilisca la sua colpevolezza. – http://www.vatican.va/content/francesco/it/speeches/2019/november/documents/papa-francesco_20191115_diritto-penale.html
Publicado por Caio Zaccariotto