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Governança Corporativa e Compliance na Saúde - uma Introdução


Vasta é a discussão acadêmica acerca da precedência, prioridade ou complementariedade da Governança Corporativa com relação aos Programas de Conformidade, contudo é mais relevante ora definir o que significam tais termos e indicar sua importância no contexto dos Setores de Saúde do mundo todo.

Com relação ao primeiro, justamente por ser relativamente incipiente (algumas décadas), não possui conceituação que abarque precisamente todas suas características, porém há de se reconhecer algumas dignas de destaque. O professor Edson Cordeiro o faz da seguinte maneira:

“A Governança Corporativa diz respeito à maneira pela qual as sociedades são dirigidas e controladas, incluindo suas regras explícitas e tácitas, com destaque para o relacionamento entre os seus principais personagens: diretoria, conselho de administração e acionistas”[1]

Aqui se dá enfoque nos embates classicamente vividos entre os proprietários e executivos de uma empresa – algo que Ronald Coase chamou de “custos de agência”, isto é, conflitos entre aqueles que de fato comandam determinada organização e quem, por direito, é proprietário.

Para melhor ilustrá-lo, pensemos nos acionistas de empresa cujo valor das ações despenca em decorrência de má administração, ou mesmo por escândalo qualquer. Em sentido oposto, tantas vezes os acionistas impõem restrições administrativas as quais dificultam sobremaneira o desfrute de oportunidades de crescimento pela organização.

Atualmente, porém, o mencionado enfoque já não satisfaz totalmente às demandas por responsabilidade social e ética. Assim, outra definição pode nos servir de parâmetro:

“Governança Corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando-se interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum[2]

Observe-se a inclusão dos órgãos de fiscalização e controle, bem como das “demais partes interessadas”. Esse pressuposto indica a necessidade de sadio diálogo entre a organização e aqueles que são afetados por suas atitudes. Isso não deverá significar a opressão da iniciativa, mas possibilitar conduta amistosa e responsável dos relacionados, assim pavimentando caminho sustentável e, por ricochete, a perpetuidade do empreendimento. Afinal, não se pode conceber que a prosperidade de um se dê em injusto prejuízo de outrem.

Nesse contexto, tem-se, habitualmente, como os quatro princípios fundamentais da Governança Corporativa: a) Transparência (disclosure): busca pela disponibilização de informações relevantes às partes interessadas, inclusive para além do exigido normativamente; b) Equidade: tratamento adequado, justo e isonômico de todos os envolvidos, considerando suas igualdades e diferenças; c) Prestação de Contas (accountability): expor e justificar de forma clara e acessível medidas quaisquer tomadas, assumindo as consequências de forma integral e agindo com diligência e responsabilidade; d) Responsabilidade Corporativa: deve-se zelar pela viabilidade econômico-financeira das organizações, considerando os diversos tipos de risco (financeiro, social, ambiental, reputacional etc), sobretudo a longo prazo.

É precisamente nesta conjuntura que os programas de conformidade (Compliance) se inserem. O termo estrangeiro é originado do verbo to comply, que significar conformar-se. A despeito de sugerir adequação à realidade perversa ou decadente, deveras quer expressar “ganhar forma”, “colocar-se nos eixos”.

Vale atentar para a definição proposta pelos professores Renato de Mello Silveira e Eduardo Saad:

“Orienta-se, em verdade, pela finalidade preventiva, por meio da programação de uma série de condutas (condução de cumprimento) que estimulam a diminuição dos riscos da atividade.  Sua estrutura é pensada para incrementar a capacidade comunicativa da pena nas relações econômicas ao combinar estratégia de defesa da concorrência legal e justa com as estratégias de prevenção de perigos futuros.”[3]

As citadas condutas tratam-se dos instrumentos pelos quais a Organização está prevenida contra os riscos uma vez reconhecidos. Muitas vezes estes não serão de todo excluídos, mas ao menos promover-se-á sensível mitigação, viabilizando o desenvolvimento seguro de suas atividades.

No setor de Saúde as coisas não são diferentes, pelo contrário, considerada a dignidade do bem em questão, exige-se ainda maior zelo pelas boas práticas dos diversos agentes envolvidos. Afinal, apesar de costumeiramente não se pensar muito no caráter extra-assistencial do nicho, este possuiu diversos possíveis conflitos de interesse os quais podem levar a inimagináveis danos.

Mesmo assimilando que cada país possui suas características administrativas, alguns com maior intervenção estatal, outros mais abertos à livre concorrência, todos veem suas organizações enfrentar diversos dilemas éticos. No caso do Brasil, pode-se refletir a respeito do embate existente entre a adequada gerência do erário e a universalidade do atendimento: de um lado os servidores, de outro os pacientes. O resultado habitual tem sido a larga judicialização do problema, vezes boa, vezes má. Outros exemplos clássicos são os mercados farmacêutico e de órteses e próteses, cuja influência na decisão médica muitas vezes transcende fatores técnicos e se enquadra em verdadeira prática de corrupção.

Em verdade, não é mais possível ser leviano a ponto de crer que pela importância da assistência aos doentes as pessoas abdiquem de fazer escolhas temerárias, quando não imorais. O brocardo latino errare humanum est tem sua eternidade garantida justamente porque a natureza dos homens não se altera.

Assim, a implementação de estruturas pelas quais essas previsíveis falhas sejam mitigadas é uma insofismável manifestação de maturidade. Já não basta apenas exortar boas práticas, é preciso criar sistema de incentivos e travas àquilo que prejudique o bem comum e a perpetuidade dos empreendimentos. O Compliance trata-se portanto do complexo de ferramentas que o efetiva.

[1] SILVA, Edson Cordeiro da. Governança Corporativa mas empresas. 4ª ed. São Paulo, Atlas, 2016, p. 40

[2] IBGC (2015). Código das melhores práticas de governança corporativa. Disponível em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4382648/mod_resource/content/1/Livro_Codigo_Melhores_Praticas_GC.pdf

[3] SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, Direito penal e Lei Anticorrupção. 1ª ed. São Paulo; Saraiva, 2015, p. 255.


Publicado por Caio Zaccariotto


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