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O direito à acumulação de cargos públicos por técnicos em radiologia
O Poder Público paulista vem há muito defendendo a impossibilidade de acumulação de cargos pelos técnicos em radiologia, independentemente da compatibilidade horária entre as rotinas de trabalho.

Litígios acerca do tema são recorrentemente levados ao Judiciário estadual, que muitas vezes ainda toma por legítima a objeção feita pela Administração, sob o pretexto de que assim se estaria assegurando a boa saúde dos servidores, poupando-os da exposição à radiação. Vide exemplar:

SERVIDOR MUNICIPAL Município de Franca – Concurso público – Técnico em Radiologia – Cumulação de dois cargos da mesma natureza – Jornadas que, somadas, ultrapassam o limite semanal de 24 horas estabelecido pela Lei Federal 7.394/85 – Impossibilidade: – O limite legal de 24 horas semanais se destina a proteger o trabalhador dos efeitos nocivos da radiação, o que impede a acumulação de cargos dessa natureza quando excedido. – Sentença que dá a melhor solução ao litígio merece prevalecer por seus próprios fundamentos. (TJSP;  Apelação Cível 1005183-36.2017.8.26.0196; Relator (a): Teresa Ramos Marques; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Foro de Franca - Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 06/02/2020; Data de Registro: 06/02/2020)

Como se pode observar, a principal fonte normativa para tais decisões é a Lei Federal nº 7394/95, que regulamenta o exercício profissional dos técnicos em radiologia, limitando sua carga de trabalho a 24 horas semanais (art. 14).

O raciocínio jurídico formulado acima foi expresso mais detidamente em sentença proferida no processo nº 1004920-84.2013.8.26.0053, que tramitou pela 1ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da capital. Vale destaque para o seguinte trecho:

Quanto à jornada de trabalho, impossível interpretar que a lei se referisse a cada um dos cargos isoladamente. A fixação do limite máximo para técnicos de radiologia leva em consideração a periculosidade do ambiente de trabalho com a exposição do técnico a substâncias que podem provocar doenças. Exceder o limite significa expor a saúde da autora a risco. A proibição deste risco vem a concretizar, assim, um direito social, que é a saúde, prevenindo doenças. Consta inclusive do art. 7º, XXII, da Constituição Federal o dever de redução dos riscos inerentes ao trabalho.

A despeito dos respeitáveis fundamentos da decisão, era desde então evidente o conflito com o direito fundamental ao livre exercício profissional, especialmente pelo disposto no art. 37, XVI, “c”, excepcionando os profissionais regulamentados da área da saúde da vedação de acúmulo de cargos.

Não à toa, por diversas vezes a questão foi levada à Suprema Corte, onde com frequência decidiu-se em sentido contrário, resolvendo o aparente conflito normativo pelo critério hierárquico. Vide exemplar jurisprudencial de 2018:

Trata-se de agravo interposto contra decisão de inadmissibilidade de recurso extraordinário em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, assim ementado: “CONSTITUCIONAL. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. TÉCNICOS EM RADIOLOGIA. CARGA HORÁRIA SEMANAL DESIGNADA POR LEI INFRACONSTITUCIONAL. LIMITAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL. RAIO X. MEDIDAS PROTETIVAS. SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO. POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FAZENDA PÚBLICA. CONDENAÇÃO. ART. 20, § 4º, DO CPC. APRECIAÇÃO EQUITATIVA E JUSTA. SENTENÇA MANTIDA”. (eDOC 2, p. 50) ..] Decido. A irresignação não merece prosperar. O Tribunal de origem, ao examinar a Lei 7.394/1985 e o conjunto probatório constante dos autos, consignou que haveria compatibilidade de horários entre os dois cargos. Nesse sentido, extrai-se o seguinte trecho do acórdão impugnado: “Incontroverso nos autos que os cargos da área de saúde são regulamentados pela lei nº 7.394/85 e que possuem compatibilidade de horários. Ademais, há previsão legal infraconstitucional, como supra mencionado, de que a jornada de trabalho para o ocupante de cargo de Técnico em Radiologia possui limite máximo de vinte e quatro horas semanais. No entanto, a limitação da carga horária não pode impor restrições ao direito assegurado constitucionalmente ao autor, sob pena de negar vigência ao texto constitucional por ato normativo de lei ordinário’” (STF. RE 1129424/DF - Relator  Min. GILMAR MENDES - Julgamento em 17/09/2018 - DJe-198 divulg. 19/09/2018 public. 20/09/2018.)

 

Em 2020, já em regime de repercussão geral, o STF declarou a constitucionalidade da acumulação pelos profissionais regulamentados de saúde, desde que respeitada a compatibilidade de horários - independentemente de restrição horária firmada em norma infraconstitucional[1].

Assim, em que pese o direito social à saúde (artigo 6º, caput) e de prevenção a riscos no ambiente laboral (art. 7º, XXII), ambos mandamentos de inegável qualidade constitucional, o direito à acumulação de vínculos (enquanto exceção ao inciso XVI do art. 37) é categoricamente expresso no texto da Carta Maior, sendo inescapável sua hermenêutica gramatical, sem qualquer espécie ressalva.

Inclusive, resta claro que tal hipótese apenas existe em vista da concretização do direito social à Saúde – como se observa da justificativa da PEC que originou tal disposição constitucional[2].

Noutra mão, é sabido que a prevenção da saúde dos técnicos em radiologia não se dá apenas pela restrição da carga horária semanal, mas sim por um plexo de medidas, como o fornecimento de EPIs, a preparação do local de trabalho, a devida instrução e treinamento dos profissionais etc.[3]

Enfim, não se pode admitir a relativização da possibilidade de acumulação de cargos por profissionais regulamentados da saúde, tanto pela inviabilidade de sobreposição hierárquica a norma constitucional, quanto pela insustentabilidade de alegações de prevenção à higidez destes trabalhadores.

Logo, a tentativa de reinterpretação do art. 37, XVI, “c” à luz de outros princípios constitucionais apenas torna notória a postura tergiversante do Poder Público paulista, que ao invés de concentrar-se em cumprir seus misteres – garantindo boas condições de trabalho aos servidores – fomenta óbices (flagrantemente inconstitucionais) ao desempenho de suas funções e prejudica o desenvolvimento da políticas públicas da área da saúde.

 

 

[1] Leading case: ARE 1246685 RG / RJ. Formando-se o tema 1081, vide: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5819218&numeroProcesso=1246685&classeProcesso=ARE&numeroTema=1081

[2] PEC 308/1996, cujo interior teor está disponível em: https://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD08FEV1996.pdf#page=109.

[3] A respeito do tema, vide a NR 32: https://www.rondonia.fiocruz.br/wp-content/uploads/2019/04/NR32.pdf

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Publicado por Caio Zaccariotto


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