CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS AOS SINDICATOS E O POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Diante da série de notícias veiculadas pela imprensa a respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) proferida em sessão virtual de julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário com Agravo ARE 1018459, ainda no mês de setembro de 2023, e suas primeiras consequências, as quais despertaram dúvidas em trabalhadores, empregadores e sindicatos, fazem-se necessárias breves considerações acerca do assunto.
A doutrina majoritária e os tribunais identificam quatro espécies de custeio das entidades sindicais, quais sejam: a contribuição sindical, por popularmente chamada também de “imposto sindical”; a contribuição confederativa; a contribuição assistencial, encontrada, às vezes, sob a denominação de taxa sindical, cota de solidariedade ou de fortalecimento sindical; e as mensalidades dos associados do sindicato.
A contribuição sindical é a receita recolhida uma única vez ao ano, da forma regulada pelo artigo 578 e seguintes da CLT. É aquela cujo valor, para os empregados, corresponderia a um dia de trabalho, descontado na folha de pagamento de competência do mês de março. Era de pagamento obrigatório, inclusive para quem não fosse associado ao sindicato.
A partir da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), essa contribuição passou a ser voluntária, admitindo-se o desconto quando precedido de expressa e prévia autorização. O STF se pronunciou favorável à constitucionalidade dessa mudança provocada pela reforma trabalhista ao julgar a ADI n. 5794.
A contribuição confederativa está prevista na Constituição Federal, em seu artigo 8º, inciso IV, segundo o qual o seu objetivo é custear o sistema confederativo de representação sindical, instituída por assembleia geral. Tratando-se de categoria profissional (representante dos trabalhadores), o desconto será efetuado em folha de pagamento.
Por sua vez, a contribuição assistencial é aquela prevista em Convenção ou Acordo Coletivo, geralmente paga mediante desconto em folha de pagamento ao longo do ano.
Já as mensalidades dos associados dos sindicatos, como o próprio nome revela, cuidam de pagamentos efetuados de forma voluntária, em razão do vínculo espontâneo firmado com os sindicatos, como em qualquer outro tipo de associação.
Tradicionalmente, as discussões juridicamente mais relevantes a respeito das formas de custeio das entidades sindicais e de sua obrigatoriedade tinham por foco as contribuições confederativa e assistencial.
Para ambas, os Tribunais Superiores entendiam que seriam devidas somente por quem fosse associado ao respectivo sindicato.
Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou, há muito tempo, o Precedente Normativo nº 119, que diz:
"Nº 119 CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS - INOBSERVÂNCIA DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS – (mantido) - DEJT divulgado em 25.08.2014: "A Constituição da República, em seus arts. 5º, XX e 8º, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados." (Histórico: nova redação dada pela SDC em sessão de 02.06.1998 - homologação Res. 82/1998, DJ 20.08.1998)
Igualmente, a Orientação Jurisprudencial nº 17 estabelece:
"CONTRIBUIÇÕES PARA ENTIDADES SINDICAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA EXTENSÃO A NÃO ASSOCIADOS. (mantida) - DEJT divulgado em 25.08.2014: As cláusulas coletivas que estabeleçam contribuição em favor de entidade sindical, a qualquer título, obrigando trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre associação e sindicalização, constitucionalmente assegurado, e, portanto, nulas, sendo passíveis de devolução, por via própria, os respectivos valores eventualmente descontados".
O entendimento que prevaleceu nas mais alta Corte do Judiciário Trabalhista foi o de que a imposição da cobrança das contribuições previstas em normas coletivas para toda a categoria econômica ou profissional, inclusive para empresas e trabalhadores não associados a sindicatos, consistiria em ofensa à liberdade de associação, mais particularmente à liberdade sindical.
A Lei 13.467/2017 reforçou essa linha dominante de interpretação ao proibir, expressamente, a cobrança de contribuição sem a prévia e expressa anuência do trabalhador.
Nesse contexto, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal era consonante com a jurisprudência do TST, representado pelo Enunciado da Súmula Vinculante nº 40, abaixo transcrito:
Súmula vinculante 40, Enunciado: A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição Federal, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo (Data de Aprovação: Sessão Plenária de 11/03/2015; Fonte de publicação: DJe nº 55 de 20/03/2015, p. 1. DOU de 20/03/2015, p. 1.).
Em 2017, examinando o Agravo em Recurso Extraordinário nº 1018459/PR, que tratou de contribuição assistencial, o STF manifestou-se em conformidade ao que historicamente se identificou como entendimento majoritário, fixando a seguinte tese: "É inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados" (STF, Pleno, RG-ARE 1.018.459/PR, relator ministro Gilmar Mendes, j. 23/2/2017, DJe 10/3/2017).
Porém, a decisão foi objeto de Embargos de Declaração, recurso apreciado apenas seis anos depois, em setembro de 2023.
Em sede de Embargos, o Supremo acolheu o recurso com efeitos infringentes, isto é, alterou a decisão anteriormente proferida para fixar uma nova tese, consolidada como Tema 935 da Repercussão Geral, que preceitua:
“É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”.
Portanto, a decisão final contrariou o que por anos foi a jurisprudência majoritária: as contribuições assistenciais passaram a ser exigíveis de todos os integrantes da categoria profissional, ainda que não associados (filiados, sindicalizados), mas com a ressalva de que se assegure o direito de oposição.
Não seria mais necessária a prévia autorização para o desconto. Caberia ao interessado manifestar a sua recusa em contribuir para o custeio da entidade sindical.
É importante observar que, mesmo após a publicação do acórdão em 30/10/2023, permaneceram vários questionamentos sobre a aplicabilidade do novo entendimento na pragmática das relações trabalhistas.
As mais pertinentes das questões postas se referem ao valor da contribuição, à maneira de exercer o direito de oposição e à retroatividade das cobranças das contribuições.
Com efeito, a experiência brasileira revela que, não raras vezes, a convocação dos integrantes da categoria é pouco divulgada, a sua participação em Assembleia é desestimulada, as discussões sobre valores de “contribuições” são apressadas e o procedimento para o exercício da oposição é retrógado e extremamente dificultoso, muitas vezes se exigindo requerimento por escrito, protocolado pessoal e presencialmente na sede do sindicato, em curtíssimo prazo.
A despeito de a “prevalência do negociado sobre o legislado” ser a principal diretriz no Direito Coletivo do Trabalho desde a Reforma Trabalhista, existem precedentes no Tribunal Superior do Trabalho admitindo a discussão a respeito da razoabilidade e da abusividade dos valores fixados a título de contribuição assistencial.
Dessa maneira, é possível que os legitimados busquem o Judiciário para o fim de adequar a contribuição quando fixada em valor excessivo.
A atual jurisprudência majoritária vai ao encontro da tese de limitar a contribuição a um único pagamento, por ano, no importe de 50% do salário equivalente a um dia de labor reajustado.
Ilustrativamente, tem-se a ementa abaixo colacionada:
"DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/ 2017. ACORDO HOMOLOGADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. VALOR DO DESCONTO RELATIVO À CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL EM FAVOR DO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL. Trata-se de dissídio coletivo de natureza econômica no bojo do qual houve a celebração de convenção coletiva de trabalho entre as Partes, homologada pelo Tribunal de origem, em sessão de julgamento. Contra tal decisão, se insurge o Ministério Público do Trabalho, mas apenas em relação à Cláusula 23ª - Contribuição Assistencial Dos Empregados, sob o fundamento de que a norma coletiva estipula um valor abusivo para o desconto salarial a título de contribuição assistencial. Registre-se que, no recurso ordinário, não houve impugnação ou qualquer objeção quanto à extensão do desconto para todos os empregados, razão pela qual o exame do apelo se limitará à questão do valor atribuído à contribuição - em respeito ao princípio da congruência e aos efeitos da devolutividade e delimitação recursal. Feita essa ressalva, cumpre observar que a contribuição assistencial, por se tratar de desconto autorizado por norma negocial coletiva, detém a presunção de legitimidade, como corolário dos mandamentos constitucionais que asseguram o reconhecimento dos instrumentos normativos negociados bem como a liberdade e autonomia sindicais (arts. 7º, XXVI e 8º, I, da CF). Isso não significa, porém, que os atos sindicais estejam isentos de exame acerca de sua legalidade - exame a ser feito, obviamente, mediante o devido processo legal, em juízo (como deflui, por exemplo, dos incisos XIX e XXXV do art. 5º, CF/88). Desse modo, se uma contribuição associativa mostrar-se nitidamente abusiva , em vista de seu desmesurado valor , pode o Judiciário, sob tal perspectiva, adequá-la a parâmetro que a afaste da fronteira da irregularidade. Esta SDC/TST já se pronunciou inúmeras vezes pela possibilidade de se rever o valor estabelecido para contribuição assistencial, quando se verifica excesso. Nesses casos, havendo questionamento judicial, a jurisprudência dominante desta Seção Especializada tem definido como padrão o limite de um único pagamento, por ano, no importe de 50% do salário equivalente a um dia de labor reajustado . Na hipótese em análise, a contribuição assistencial foi fixada no equivalente a 5% do salário já reajustado, paga em três meses - chegando, no total, a 15% do um salário. Por representar quantia elevada e que foge à razoabilidade, segundo o parâmetro jurisprudencial construído no âmbito desta Corte, a cláusula em análise deve sofrer adequação, com redução do valor da contribuição para o parâmetro adotado na jurisprudência. Recurso ordinário provido" (ROT-21463-35.2018.5.04.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 24/06/2022).
Por sua vez, no que tange ao direito de oposição, a princípio, este deve ser exercido da forma prevista na norma coletiva que dispõe sobre a contribuição assistencial. Na ausência de regramento, é prudente que o interessado em não sofrer descontos a título de contribuição assistencial manifeste-se por declaração escrita, clara e objetivamente, perante empregador e o próprio sindicato.
Da mesma forma que o valor fixado de contribuição, salvo melhor juízo, o procedimento para exercer o direito de oposição merece exame de constitucionalidade, sob a ótica da proporcionalidade e da razoabilidade, pelo Poder Judiciário.
Vale ressaltar que o julgamento pelo STF não enfrentou o conflito aparentemente gerado entre a sua conclusão e o artigo 545 da CLT, que veda o desconto salarial sem a autorização do empregado. E, em teoria, essa autorização individual não poderia ser substituída pela autorização coletiva, ou seja, pela norma da Convenção ou do Acordo, na medida em que o art. 611-B, inciso XXVI, da CLT, esclarece que não pode ser objeto de negociação coletiva a "liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho".
Outra questão que surgiu após o julgamento pelo STF foi a respeito da retroatividade da decisão. Seria possível que a entidade sindical cobre valores a título de contribuição assistencial dos últimos cinco anos? Num primeiro momento, a resposta é positiva, pois não foram modulados os efeitos da decisão do STF. Não se ignora, porém, que a cobrança retroativa é discutível, principalmente em seus aspectos políticos e econômicos.
Como se vê, o julgamento gerou mais dúvidas do que esclarecimentos.
As incertezas não passaram despercebidas para os entes legitimados que figuram no processo do Agravo em Recurso Extraordinário nº 1018459.
A Procuradoria Geral da República opôs novos Embargos de Declaração, apontando entre as omissões e irregularidades do acórdão:
De outro lado, o Sindicato Nacional da Industria de Máquinas – SINDIMAQ também apresentou Embargos, no sentido de provocar o STF a se manifestar sobre a aplicabilidade da decisão também às empresas, enquanto integrantes de categoria econômica e, por consequência, sujeitas à cobrança da contribuição assistencial devida ao respectivo sindicato, tal qual os trabalhadores.
De fato, a redação da tese estabelecida sob repercussão geral parece ignorar que as empresas também podem ter de pagar contribuição assistencial para os próprios sindicatos, representantes da categoria econômica.
No momento da redação deste texto, ainda se aguarda o julgamento desses Embargos.
Pois bem.
Diante desse cenário, ainda permeado de incertezas, a única conclusão a que se pode chegar é a de que a contribuição assistencial é válida para a totalidade da categoria profissional – ao menos, de setembro de 2023 em diante.
Assim, por ora, a prudência recomenda que as empresas divulguem internamente a seus colaboradores as regras que disciplinam a contribuição para a respectiva categoria, conforme previsto norma coletiva. Na ausência de procedimento de oposição, sugere-se uma declaração reduzida a termo, com os dados de identificação do trabalhador, dirigida tanto ao sindicato quanto ao empregador, a fim de se documentar a posição expressa e clara daquele empregado que não deseja sofrer descontos a esse título.
Evidentemente, acompanharemos com atenção o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre os pontos destacados nos Embargos de Declaração, com a esperança de que seja possível inferir com clareza como as empresas, os trabalhadores e os sindicatos deverão se conduzir a partir desse julgamento.
JOÃO MACHADO
Advogado | Sócio
Direito Empresarial
Cury & Zaccariotto Advogados
(15) 991445295