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As responsabilidades do Médico Residente

Como se define exatamente as atribuições e responsabilidades do Médico Residente?

O Art. 1º, da Lei 6.932/81 define a Residência Médica da seguinte maneira:

“constitui modalidade de ensino de pós-graduação, destinada a médicos, sob a forma de cursos de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, funcionando sob a responsabilidade de instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional”.

Assim, fica clara a natureza prioritariamente educacional da residência e seu necessário acompanhamento por profissionais médicos qualificados para tanto.

Tais pessoas são justamente os preceptores, os quais tem como missão, mais claramente, desenvolver nos recém-graduados habilidades clínicas mais afinadas, necessárias ao ambiente de trabalho.

É justamente a partir desta relação que se inicia todo o debate.

Os Residentes, já médicos, são responsáveis pelos eventuais erros que cometam? Ou, participando de atividade que visa o ensino e sendo orientados por profissionais mais experientes e habilitado, deveriam ser escusados sempre?

O que dizem, inicialmente, os Conselhos e os Professores de Direito?

 

CREMESP, tipicamente possuidor de postura rígida com os médicos, estabelece já de algum tempo a visão de que tratando-se a residência de pós-graduação, já deveriam seus participantes responder por quaisquer danos decorrentes de atuação equivocada:

A residência médica se constitui em modalidade de ensino de pós-graduação, caracterizada por treinamento em serviço, funcionando em instituição de saúde sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação profissional. Assim sendo, residentes não devem assumir atribuições sem supervisão, devendo ser realizadas somente se houver um preceptor diretamente responsável pelo treinamento. Entretanto, apesar do treinamento do residente ser de responsabilidade de um preceptor, o primeiro não estará isento de culpa, no caso de, por seu descuido ser prejudicada a saúde do paciente.

(…)

No que tange à responsabilidade ética do preceptor por atos médicos realizados por residentes sob a sua supervisão, entendemos que tal responsabilidade é consequente ao caráter peculiar da tarefa da preceptoria. Portanto, tanto o médico residente quanto o preceptor estarão passíveis de responderem ética e juridicamente, em casos de infringências éticas comprovadas”.

Tradicionalmente, o CFM respondia a tal questão em termos bastante semelhantes – vide pareceres da década de 90 e 2000:

“Por último, entendemos, como considerado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba, que haverá a prática ilegal da profissão de médico se os acadêmicos de medicina não forem supervisionados diretamente, com a consequente responsabilidade daqueles Diretores por essa ilegalidade, conforme preceituam os artigos 30 e 38 do código de Ética Médica.”

No que tange a responsabilidade ética do preceptor, por atos médicos realizados por Médicos Residentes sob a sua supervisão, entendemos que tal responsabilidade é consequente ao caráter peculiar da tarefa da preceptoria, redundando no que o Prof. Genival Veloso de França, em seu livro “Direito Médico”, define por “Responsabilidade Derivada” ou “Responsabilidade Compartida“. Nela cada membro de uma equipe médica carrega consigo a co-responsabilidade por atos médicos executados no âmbito da instituição prestadora da assistência médica”.

Contudo, em recente manifestação (2015), observando área de especial risco – a anestesiologia – o Conselho Federal Relativizou consideravelmente sua postura, citando a Sociedade Brasileira da especialidade. Senão vejamos:

“Para a SBA, em caso  de  cirurgias,  o  preceptor  deve  sempre  se  fazer presente  para  orientar  e  supervisionar,  evitando  eventuais  erros  que  possam  ser cometidos pelos residentes. Neste sentido, a atuação do Médico residente (sem supervisão direta do Médico supervisor), independentemente de ser R1, R2 ou R3, é aprioristicamente irregular, pois, em que pese o residente ter direito ao pleno exercício da profissão de médico, o mesmo encontra-se submetido ao regime da residência médica,  assumindo  ser  imperito  na especialidade que está aprimorando, devendo necessariamente ser supervisionado.

Saliente-se que, em  estando  ausente  o  preceptor,  e  ocorrendo  erro  Médico  do residente,  responderá  o  Médico  preceptor  pelos  danos  causados,  na  medida  de  sua culpa in vigilando, tendo em vista que o objetivo dos programas de residência médica é dar  aperfeiçoamento  Médico  sob  treinamento  dirigido,  não  sendo  admissível  que  as cirurgias  sejam  realizadas  sem  a presença  do  preceptor  na  sala  cirúrgica  em  tempo integral. Não  obstante,  os  médicos  orientadores/preceptores  possuem  o  dever,  sob  pena de responsabilidade, de acompanhar de perto as atividades inerentes à especialidade e desenvolvidas pelo Médico residente durante o aprendizado”.

Pois bem, a relativização da responsabilidade do residente se dá justamente aí. A “culpa in vigilando”, isto é, a responsabilidade do preceptor em monitorar e orientar seus alunos, devendo estes agir conforme seus mandamentos.

Não à toa, observa o Professor Miguel Kfouri Neto, um dos mais relevantes estudiosos de Direito Médico no Brasil, que:

Eventualmente, o preceptor de residência médica poderá responder solidariamente, caso permita que um residente de primeiro ano (R-1), por exemplo, realize ato da especialidade considerada, para o qual ainda não se encontre habilitado. Portanto, o residente é considerado imperito.”

Pois bem, nesse ponto é preciso observar que até o momento tratamos prioritariamente de responsabilidade ética e civil, isto é, punições relacionadas ao exercício da profissão e indenizatória. Todavia, em se tratando de processo penal as coisas ganham um tanto diferentes, vez que tratam de bens jurídicos fundamentais e tem consequências bastante mais graves.

Nesse sentido, vale observar o exposto por Maria Luiza Gorga:

Analisando a questão à Luz do Código Penal, é evidente que a responsabilidade pelo fato recai sobre aqueles que lhe deram causa. Dessa forma, na prática do ato que ocasionou lesão a bem jurídico o residente, via de regra, será responsável por suas ações ou omissões, bem como será o preceptor, posto o seu dever de zelar pelos pacientes a seus cuidados e vigiar as condutas dos residentes”.

Até aí, nada de novo, mas segue:

Por outro lado, caso o residente atue seguindo orientações do preceptor e, no estrito cumprimento destas, ocorram danos ao paciente, poderá ser excluída a responsabilidade do residente caso se verifique, no caso concreto, que lhe era impossível prever o resultado, confiando nos conhecimentos de seu preceptor.

(…)

… responde tanto pelas suas orientações como por sua omissão em fiscalizar os atos de seus residentes, podendo mesmo responder exclusivamente por eventos lesivos que venham a ocorrer

O fundamental jurídico de tal reflexão é o seguinte: as responsabilidades do residente e do preceptor são uma ramificação da responsabilidade por atos em equipe. De modo que essas relações são norteadas por aquilo que chamamos de “Princípio da confiança”, ou seja, num atendimento em equipe tem-se como premissa que todos ali presentes são aptos a desenvolver seus ofícios da melhor maneira possível – conforme demanda a lex artis.

Por exemplo, se um anestesista agir em desconformidade à melhor ciência médica e isso não for perceptível ao cirurgião, este não poderá ser responsabilizado por eventual dano decorrente de erro. Afinal, tinha como direito crer que seu colega não agiria mal.

Assim, é necessário que o estudo desse tipo de relações leve em conta questões como subalternidade, grau de conhecimento, previsibilidade do erro etc.

No caso que ora estudamos, obviamente não há igualdade entre os envolvidos. Aliás, como já ressaltado no início, trata-se de atividade de ensino. A despeito de tratarem-se todos de médicos formados, um deles deve ter “elevada qualificação ética e profissional”, enquanto o outro meramente passou por exame seletivo.

É nestes termos que definem os seguintes parágrafos do artigo 20 do Código Penal Brasileiro:

  • 1º – É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstânciassupõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
  • 2º – Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.

Bem como o artigo 22 do mesmo diploma estabelece:

Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”.

Logo, fica patente que a depender do grau de influência do preceptor no procedimento tomado, deverá apenas este ser responsabilizado criminalmente pelas consequências de erro médico.


Publicado por Caio Zaccariotto


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