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Maio 3, 2023
Código de Ética Médica de 2019 – Parte 2
Maio 3, 2023

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Código de Ética Médica de 2019 – Parte 1

Em 1º de Novembro de 2018, o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução CFM 2.217/2018, o novo Código de Ética Médico (CEM), abordando “as propostas formuladas ao longo dos anos de 2016 a 2018 e pelos Conselhos Regionais de Medicina, pelas entidades médicas, pelos médicos e por instituições científicas e universitárias”.

O novo Código privilegia a continuidade com relação ao seu anterior, trazendo inovações pontuais para melhor disciplinar realidades novas no mundo médico – em especial aquelas vinculadas às novas tecnologias.

Assim sendo, vale agora tratar de cada um dos capítulos do novo diploma, destacando seus desenvolvimentos.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Na lista dos princípios fundamentais, o novo CEM acrescentou um novo princípio, o inciso XXVI: “A medicina será exercida com a utilização dos meios técnicos e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados”.

Especialista em Bioética, Dr. Henderson Fürst acredita que este novo princípio não visa meramente reafirmar a previsão do inciso V (“Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade”), mas definir uma “reserva do possível” para o exercício da medicina, travando concepções utópicas quanto aos meios técnicos e científicos disponíveis.

Possivelmente tenha sido concebido no sentido de arrefecer as discussões relacionadas à Resolução 2227/18, garantindo uma vez a prioridade dada à segurança profissional e do próprio paciente, bem como o cumprimento do princípio bioético da beneficência.

Sobre este princípio, o Dr. Genival de França, no seu recém lançado “Comentários ao Código de Ética Médica” aborda a interessante e complicada temática da busca pela perfeição na medicina, a busca da superação das imperfeições do corpo humano. Em síntese, aduz que a tecnologia não pode ser tirânica, não pode trabalhar buscando a manipulação substancial da vida humana, definindo o corpo humano ideal e, portanto, o modelo perfeito de homem. Se tais tecnologias não alcançarem o sentido de proteção e de melhoria de qualidade de vida, se mostrarão, notadamente, caprichos perigosos a pratica da medicina.

Em suma, o que importa são os melhores resultados conforme as condições existentes em cada local de tratamento.

DIREITOS DOS MÉDICOS

Destacam-se duas inovações neste trecho.

Primeiro, alterando sutilmente as disposições referentes ao trabalho e exercício da medicina em condições que não sejam dignas do exercício da profissão ou que possam prejudicar o paciente, o médico ou terceiros.

CEM 2009

CEM 2018

III – Apontar falhas em normas, contratos e práticas internas das instituições em que trabalhe quando as julgar indignas do exercício da profissão ou prejudiciais a si mesmo, ao paciente ou a terceiros, devendo dirigir-se, nesses casos, aos órgãos competentes e, obrigatoriamente, à comissão de ética e ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição.

III – Apontar falhas em normas, contratos e práticas internas das instituições em que trabalhe quando as julgar indignas do exercício da profissão ou prejudiciais a si mesmo, ao paciente ou a terceiros, devendo comunicá-las ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver.

IV – Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Nesse caso, comunicará imediatamente sua decisão à comissão de ética e ao Conselho Regional de Medicina

IV – Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Nesse caso, comunicará com justificativa e maior brevidade sua decisão ao diretor técnico, ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver.

 

Destacam-se a inclusão do “quando houver” no inciso III (reconhecendo que a cultura dos comitês de ética ainda não está profundamente desenvolvida) e da figura do Diretor Técnico como um dos destinatários da notificação de recusa de exercício da profissão (acelerando a notificação dos órgãos administrativos). Ressalta-se que a comunicação das falhas indicadas no inciso III, consiste não em um direito, mas mais em um dever, uma obrigação. Aceitar determinações que contrariam as normas profissionais ou as necessidades básicas do paciente é um ato antiético e atentatório aos requisitos técnicos da atividade médica.

                        O inciso IV acrescenta a figura do diretor técnico como um dos possíveis receptores da comunicação de falha. A Resolução CFM nº 2.152/2016, regula as comissões de ética médica, determina a criação de uma “Comissão de Ética Médica” em todos os estabelecimentos de assistência à saúde e outras pessoas jurídicas sob cuja égide se exerça a medicina, devendo estar esta comissão regularmente registrada nos Conselhos Regionais de Medicina. As pretensões deste inciso vão além de reivindicações salariais. Busca-se a melhoria do atendimento médico em graus compatíveis com a dignidade humana, notadamente com o provimento de meios materiais para uma assistência mais efetiva.

(…)

Segundo, no inciso XI, trata-se do Direito do Médico com deficiência ou com doença, nos limites de suas capacidades e da segurança dos pacientes, exercer a profissão sem ser discriminado.

Tal inclusão caminha em consonância com do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) e se manifesta enquanto desdobramento do primeiro princípio fundamental do códex (não discriminação).

DIREITOS HUMANOS

Neste capítulo acrescentou-se o parágrafo único ao Art. 23, cujo conteúdo firma que “o médico deve ter para com seus colegas respeito, consideração e solidariedade”.

Tratando-se de dispositivo principiológico, cujas disposições demandam fina interpretação pela classe médica e seus dirigentes, será fundamental sedimentação jurisdicional pelos órgãos de classe. De modo que se ilustre adequadamente o que na prática significa tratar com “respeito, consideração e solidariedade”.

Nesse sentido, vale anotar a boa reflexão do Dr. Henderson Fürst: “É curioso observar que tenha sido incluso no capítulo de Direitos Humanos, e não no de Responsabilidade Profissional. Embora seja um detalhe simbólico, o que se ressalta é que a boa conduta entre colegas não é apenas um dever do médico, mas também uma contribuição para o desenvolvimento da humanização da saúde e da consolidação dos direitos humanos do paciente”.

 

RELAÇÃO COM PACIENTES E SIMILARES

Algumas são as alterações de neste trecho:

  1. O artigo 32 dispõe ser vedado ao médico “deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e ao seu alcance, em favor do paciente”. Isto é, ingressam no dispositivo a promoção de saúde (conscientização e participação proativa do médico na mudança de condições insalubres) e sua prevenção.
  • O artigo 36, em seu § 2.º, firma, ao referir-se a paciente com doença crônica ou incurável, que continuará a assisti-lo e a propiciar-lhe os cuidados necessários, inclusive os paliativos”. Com tal abordagem busca-se dar aos cuidados paliativos caráter costumeiro, devendo ser utilizados sempre que conveniente. Assim, o Código de Ética Médica, materializa novo paradigma – abdicando de intervenções vãs, iatrogências, e optando pela humanização do ofício médico. Esse entendimento manifesta-se notadamente na ortonásia, quando o paciente abdica de fadigante luta contra uma dada doença, preferindo morrer “organicamente”. Interessante notar, no entanto, que não pode ocorrer o simples e total abandono, sem nenhuma comunicação previa, deve-se, também, indicar o profissional que irá lhe suceder.  Sobre isso, o Dr. Genival de França traz algumas reflexões: “Nao pode acontecer se o paciente estiver com um quadro de urgência ou emergencia, pois sua recusa, em tais circunstancias, fere os princípios éticos da profissão”. “Pelo fato de ele ser considerado em fase de morte inevitável, isso não quer dizer que deva ser abandonado ou que se venham a tomar medidas eutanásticas”. “O médico terá que usar todos os meios que propiciem o seu conforto e o alívio do seu sofrimento, sem deixar registrado nenhum ato de omissão ou de negligência”. “Há também que se julgar o que é melhor para ele, tanto para salvar-lhe a vida como para evitar seus sofrimentos. É o princípio da beneficência ou da não maleficência. É, finalmente, uma avaliação criteriosa das vantagens e desvantagens de cada recurso”.“Nenhum princípio, isoladamente, tem uma solução ética. Neste particular, quando a questão se tornar muito complexa, lembrar que o Código elegeu o princípio da beneficência, porque cabe ao médico, que conhece a patologia e as opções de tratamento, fazer aquilo que é tecnicamente recomendável para o paciente. É na urgência, no entanto, que tal fato se evidencia de forma muito cristalina”.
  • O art. 37 talvez seja o mais notável dentre os dispositivos deste trecho da resolução posto que cuidou de inovações tecnológicas e comunicação de larga escala. Em seu caput veda “a prescrição de tratamento e outros procedimentos sem exame direto”, salvo casos de urgência e emergência, sendo necessária, após cessado o impedimento original, a imediata consulta presencial. A este respeito, o Dr. Genival de França comenta:   “A telemedicina ainda traz consigo algumas posturas que se confrontam com os princípios mais tradicionais da ética médica, principalmente no aspecto da relação médico-paciente, além de certos problemas de ordem jurídica que podem despontar na utilização deste processo, pois ele suprime o momento mais eloquente do ato médico que é a interação física do exame clínico, entre o profissional e o paciente”. “O novo código incorpora a utilização das mídias sociais e instrumentos correlatos sempre no sentido de manter e proteger os princípios deontológicos da profissão, de forma absoluta e em favor do ser humano e da coletividade”.

Obs: Assim, não se impede que, em caso de atendimento urgente ou emergencial, utilize-se o whatsapp, outros aplicativos, ou até mesmo ligação. Todavia, faz-se fundamental ocasião posterior para se confirmar ou corrigir o diagnóstico e eventuais prescrições feitas a partir das informações transmitidas pelo meio eletrônico.

  • Ainda nocaput do artigo veda-se igualmente a consulta, diagnóstico ou prescrição por “qualquer meio de comunicação de massa”.  O que poder-se-ia fazer possível por um artigo propondo prescrições, uma Live numa rede social, ou mesmo respondendo por stories no Instagram
  • O §1º do artigo 37 deixa claro que qualquer atendimento à distância, tal como a polêmica Telemedicina ou outro método, depende de regulamentação do CFM. Até segunda ordem, regulam o assunto a Resolução de 2002 e os princípios deste Código, posto que a Resolução 2227/18 foi recentemente revogada.
  • O §2º dispõe que ao utilizar mídias sociais e instrumentos correlatos, o médico deve respeitar as normas elaboradas pelo Conselho Federal de Medicina. Isto é, o firmado em termos de regras de publicidade em atos como as Resoluções 1.974/2011, 2.126/2016 e 2133/2015 – objeto de estudo de outros materiais da Cury & Zaccariotto Advocacia.


Publicado por Caio Zaccariotto


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