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Qual o cenário que os contribuintes deverão enfrentar diante da recente decisão do Supremo Tribunal Federal e como tem sido a reação do mercado.
Nesta quarta-feira (8), o Supremo Tribunal Federal encerrou o julgamento sobre os Temas 881 e 885, referentes a coisa julgada em matéria tributária e os efeitos de posterior decisão em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
Antes de partir para o tema central e posteriores considerações, cumpre sintetizar a temática que, longe de ser simples, produzirá efeitos relevantes na relação fisco/contribuinte e portanto, é oportuno que todos os leitores possam compreender a matéria.
Em 15 de dezembro de 1988, foi instituída a CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – através da Lei Ordinária 7.689/88. Na época, alguns contribuintes ingressaram em juízo alegando a inconstitucionalidade do referido tributo, por não ter sido criado por Lei Complementar, como determinava a Constituição Federal, e como consequência pediam o afastamento da relação jurídico-tributária.
Alguns contribuintes, obtendo êxito em suas demandas deixaram de recolher a CSLL. Dentre estes contribuintes estavam a TBM – Textil Bezerra de Menezes e a Brasken S/A, que desde meados de 1992 não recolhem o tributo em razão de decisão transitada em julgado que reconhecia a inconstitucionalidade da norma em sede de controle incidental.
Apesar das decisões favoráveis aos contribuintes, a Receita Federal passou a autuar as empresas que faziam parte do grupo de “favorecidos”, para utilizar os termos do próprio representante da PGFN, e que não recolhiam a CSLL.
Posteriormente em 2007, no âmbito da ADI 15 em sede de controle concentrado, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei que instituiu a CSLL. Assim, os contribuintes passaram a apurar e recolher a referida contribuição, exceto claro, aqueles que possuíam sentença transitada em julgado a seu favor.
É dentro deste contexto que se desenrola a discussão a respeito da coisa julgada em matéria tributária. A pergunta central é a seguinte: Decisão posterior do Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado, ou em repercussão geral, julgando constitucional ou inconstitucional uma lei que institui tributo sujeito a relação de trato continuado, pode alcançar e alterar os efeitos de uma sentença que, transcorrido o prazo da propositura de ação rescisória, formou coisa julgada?
O Supremo precisou definir se a formação de precedente da Corte tem prevalência sobre as decisões anteriores protegidas pela coisa julgada e, por unanimidade, os ministros entenderam que sim. No entanto, restava decidir se haveria modulação nos efeitos desta decisão, para que os contribuintes que, protegidos até então pela coisa julgada, não fossem pegos de surpresa e tivessem que recolher o tributo desde 2007, ou 2018, levando em consideração a prescrição quinquenal. Por uma maioria de seis contra cinco, ficou decidido que não haveria modulação de efeitos. Considerando a decisão, o contribuinte que estava protegido pela coisa julgada, deverá recolher os últimos cinco anos da CSLL, sem espaço para provisionamento. Algumas companhias, inclusive, têm reconhecido como “provável” o prejuízo, através da divulgação de fatos relevantes ao mercado.
O resultado do julgamento tem gerado diversas críticas e preocupações no meio acadêmico, entre profissionais do direito e até mesmo entre agentes econômicos, justamente porque constitui um precedente perigoso para outros temas tributários e não tributários que estão pautados para apreciação da Corte. Os efeitos gerados pela decisão do Supremo enfraquecem e limitam os efeitos da coisa julgada e determinam que decisão posterior pode alterar todo o quadro de segurança jurídica anteriormente conquistado, seja pela Fazenda Pública, seja pelo contribuinte.
Apesar do caso fático envolver um tributo sujeito a relação de trato continuado, o ratio decidendi não leva este fator em consideração e este elemento, por não ser central, pode ser facilmente desconsiderado em algum outro tema tributário colocado sob a apreciação da Suprema Corte. Ainda mais levando em consideração que, pela técnica, nenhum tributo pode ser considerado de “trato continuado”, uma vez que a relação jurídico-tributária somente se estabelece quando é praticado o fato gerador, certo de que sua ocorrência nunca é presumida e a relação se extingue com o pagamento do tributo. A este respeito, confira-se o que o professor Luís Eduardo Schoueri discorre sobre o tema, ao tratar do conceito de tributo:
“A expressão “prestação” traz, mais, a importante noção de que, uma vez pago o tributo (a prestação), estará encerrado o vínculo (obrigacional) que unia Fisco e contribuinte. Ou seja: não há uma sujeição continua e ilimitada; há mera obrigação, sujeita a um término.”[1]
Além da mitigação dos efeitos da coisa julgada, outro aspecto foi debatido em plenário e reconhecido pelos ministros: a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal tem condão de criação de novo tributo. Uma vez que o tributo não era exigido de determinado contribuinte, decisão posterior proferida em sede de controle concentrado ou repercussão geral que determina o recolhimento do tributo, não pode ter seu cumprimento exigido no dia seguinte, devendo, portanto, respeitar o princípio da anterioridade e da noventena, a depender da espécie tributária sob análise.
Apesar de todas as merecidas reprovações e críticas que podem ser feitas, talvez o aspecto mais grave da decisão seja a afronta direta ao inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal[2], que emoldura o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e coisa julgada como direitos fundamentais, de modo que nenhuma lei poderia afetar estes institutos. Ora, se nem mesmo Lei pode afetar a coisa julgada, muito menos poderia uma decisão do Supremo Tribunal Federal.
O precedente se forma para que casos futuros sejam julgados sob a ótica do que foi decidido pelo colegiado, não o contrário, para afirmar posteriormente o que deveria ser feito no passado. A inovadora tese adotada pelo Supremo Tribunal Federal trouxe surpresa para os contribuintes, que agora enfrentam um novo nível de insegurança jurídica no sistema tributário brasileiro.
Reflexo disto é a recente publicação do ofício circular nº 1/2023/CVM/SNC/SEP pela CVM, em conjunto com a Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria e com a Superintendência de Relações com Empresas, dando orientações de como os contribuintes devem elaborar as demonstrações contábeis de 31.12.2022 diante da decisão do Supremo Tribunal Federal. O ofício destaca a observância aos pronunciamentos do CPC 24 e CPC 25, especialmente no que diz respeito ao reconhecimento de eventos subsequentes ao período contábil, como o registro de obrigação presente e nova provisão diante da alteração do cenário jurídico, a fim de divulgar o impacto nas demonstrações financeiras.[3]
A decisão ainda pode ser revisitada em sede de embargos de declaração, mas é remota a hipótese de que seu conteúdo seja alterado, não em favor do contribuinte ou da Fazenda Pública, mas em favor da segurança jurídica.
[1] SCHOUERI. Luis Eduardo. Direito Tributário. 9ª Edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. Pag. 148.
[2] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
[3] Disponível em https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/oficios-circulares/snc-sep/oc_snc_sep_0123.html
Publicado por Henrique Tortarolo
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