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Extinção da Punibilidade pelo pagamento nos Crimes contra a Ordem Tributária


Por razão de Política Criminal, isto é, de decisões estatais no que tange à forma de prevenção e enfrentamento dos ilícitos penais, os Crimes contra a Ordem Tributária tem, muitas vezes, impeditivo à ação penal na regularização fiscal, pelo pagamento do devido à Fazenda.

Seu fundamento tributário é explicado por Ives Gandra Martins:

(...) se não houver obrigação tributária, isto é, se inexistir a norma de comportamento, a norma sancionatória também inexistirá, na medida em que sua função exclusiva é garantir o recolhimento da obrigação tributária. Dela depende, com ela se integra, sem ela perde sentido e fica como árvore sem raíz[1]

Na prática, há duas maneiras pelas quais ocorre. Vide.

  • Extinção x Suspensão

Primeiro, pelo pagamento integral e imediato do montante devido, isto é, à vista. Neste caso, já não restará pretensão arrecadatória e a punitiva se esvaziará, ocorrendo sua extinção por conseguinte.

Nesse sentido é categórico o art. 34 da Lei 9.249/95:

“Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”

O dispositivo acima é o mais benéfico dentre as medidas despenalizadoras pois abrange, inclusive, o art. 3º da Lei 8137/90, o qual trata dos crimes praticados por funcionários públicos (tal como: “exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente” – contante no inciso II).

Entretanto, existe igualmente a possibilidade de suspensão da punibilidade pelo parcelamento do valor. Assim, enquanto pagas as frações, não será admitida persecução penal, porém se descumprido o acordo, cessa a suspensão e o parquet poderá agir.

Tal hipótese foi inaugurada pelo art. 15 da Lei 9.964/00, instituidora do REFIS. Vide:

“É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.”

Observe-se desde já a exclusão dos crimes funcionais. Como na iniciativa privada, a Fazenda parece também “dar descontos” àqueles que pagam à vista.

Similarmente, a Lei 10.684/03, estabelece a hipótese de Parcelamento Especial (PAES), e firma em seu art. 9º:

É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

  • 1oA prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
  • 2oExtingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”

No dispositivo são incluídos os crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária.

Por fim, a Lei 11.941/09, num esforço legislativo visando facilitar a regularização fiscal, define outra possibilidade de parcelamento (mais abrangente), uma vez mais esclarece em seu arts. 68 e 69:

Art. 68 - É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam os arts. 1o a 3o desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei. 

Parágrafo único.  A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

Art. 69 - Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento. 

Parágrafo único.  Na hipótese de pagamento efetuado pela pessoa física prevista no § 15 do art. 1o desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o pagamento integral dos valores correspondentes à ação penal.“

  • Até que momento do processo pode se socorrer das Medidas Despenalizadoras?

Existindo considerável discussão doutrinal sobre o tema, dadas as várias fontes legais a discipliná-lo, é mais seguro guiar-se pela jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Nesse sentido, destaca-se julgado da 2ª Turma do STF, com relatoria do Min Dias Toffoli:

Recurso ordinário em habeas corpus. Apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, § 1º, I, CP). Condenação. Trânsito em julgado. Pagamento do débito tributário. Extinção da punibilidade do agente. Admissibilidade. Inteligência do art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03. Precedentes. Ausência de comprovação cabal do pagamento. Recurso parcialmente provido para, afastado o óbice referente ao momento do pagamento, determinar ao juízo das execuções criminais que declare extinta a punibilidade do agente, caso venha a ser demonstrada, por certidão ou ofício do INSS, a quitação do débito.

(...)

Por essas razões, no meu entendimento, o pagamento integral empreendido pelo réu, em momento anterior ao trânsito em julgado da condenação que lhe foi imposta (ressalto que, no meu entender, isso possa ocorrer até mesmo em fase posterior, no curso de sua execução), é causa de extinção de sua punibilidade, conforme opção político-criminal do legislador pátrio, razão pela qual acolho os embargos opostos, de modo que se deve declarar extinta a punibilidade do agente pelo delito que lhe é imputado nos autos”. 

Observa-se que o Superior Tribunal de Justiça, com relação aos crimes com constituição definitiva do crédito até 28/02/2011, a Lei 10.684 de 2003 perdeu eficácia, dando lugar à Lei 9.430 de 1996, com alteração da Lei 12.382 de 2011, limitando a suspensão da pretensão punitiva ao momento de apresentação da denúncia.

 “PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DO RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. EXISTÊNCIA DE MATÉRIAS NÃO VENTILADAS NA APELAÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. LIMITAÇÃO DA ANÁLISE. ADESÃO A PROGRAMA DE PARCELAMENTO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. REQUERIMENTO POSTERIOR AO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. IMPOSSIBILIDADE. MAUS ANTECEDENTES.

(...)

  1. Esta Corte já se manifestou que "o art. 83, § 2º, da Lei 9.430/96, com redação determinada pela Lei 12.392/2011, ao estabelecer o recebimento da denúncia como limite temporal para o pedido de parcelamento para fins de suspensão da pretensão punitiva estatal, não se se aplica aos crimes nos quais a constituição definitiva do crédito tributário se deu até 28/02/2011, data de vigência da lei posterior mais gravosa (RHC 94.845/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 26/6/2018, DJe 1/8/2018)" (AgRg no RHC 94.476/PE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 25/9/2018, DJe 18/10/2018).
  2. Considerando que o crédito tributário objeto da ação penal em questão foi constituído em março de 2012, não há ilegalidade no acórdão que rechaça a pretensão de suspensão da ação penal, tendo em vista que o pedido de parcelamento do débito foi realizado após o recebimento da denúncia. 5. Conforme entendimento desta Corte Superior, " ... as condenações atingidas pelo período depurador de 5 anos, previsto no art. 64, I, do Código Penal, embora afastem os efeitos da reincidência, não impedem o reconhecimento dos maus antecedentes.". (HC 413.693/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 5/10/2017, DJe 16/10/2017).

(HC 443.245/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019)

  • Qual o procedimento?

A extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo depende da iniciativa do agente, não competindo ao juiz intimá-lo para que o faça. Nesse sentido, terá igualmente a incumbência de demonstrá-lo em tempo hábil, requerendo a aplicação do benefício.

Nesse sentido, há aspecto especialmente interessante: em casos de coautoria, o pagamento feito por um dos agentes não estenderá os seus efeitos ao outro. Da mesma maneira, se o tributo era devido por empresa e um de seus executivos está prestes a ser processado criminalmente por tanto, deverá ele demonstrar ter pago o valor por seus esforços, não podendo outro fazê-lo.

[1] MARTINS, Ives Gandra. Limitações à Procedibilidade Penal Autônoma em Matéria Tributária. RT 629/287. 1988


Publicado por Caio Zaccariotto


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